A gravidade atrai os corpos
Segunda-feira, 17 de Outubro de 2005
Solução
Tudo começa com uma vaga imagem de desejo.
Sobre a mão está colocado o punho da espada à espera de um movimento de cólera.
No lado oposto, sob uma luz flácida e desconfiada, esconde-se um pequeno mistério já abandonado.
Por cima das cabeças roda, como se soubesse porquê, uma ave de penas desleixadas.
E há, inevitavelmente, um avaro tempo que vai passando.
Se houvesse um modo de regressar ao passado, para alterar o momento que tomei a decisão errada, iria lá tomar outra vez a mesma decisão errada.
Repetiria tudo da mesma forma como se a persistência me justificasse.
Por uma questão de justiça.
Por uma questão de fé.
Quando avanço sobre os momentos em que tenho ocasião de me repetir e retiro da frente as incertezas, estou a dizer, com a minha desigual falibilidade, que cada dia não é suficientemente desconhecido para me surpreender.
Os justos, disseram-me há muitos anos, destroem tudo à sua volta por amor à justiça.
Os bons, percebi com o passar do tempo, matam tudo o que à sua volta seja mau.
Os santos, vou percebendo no dia a dia, estrangulam barbaramente todos os demónios.
Os deuses, é cada vez mais evidente, esventram divinamente os humanos.
Agora espero a noite que tarda.
O escuro dos sentidos liberta-me de esconder o rosto.
Sei, com alguma certeza que amanhã voltará o sol.
E isso basta-me.
Mas queria também ouvir passos a aproximarem-se da minha porta e a criar, por instantes, a incerteza de ser alguém que aí viesse para me dizer que, por uma razão que de maneira nenhuma me ocorre, tudo aquilo que penso está errado e que o meu rosto não é o culpado.
Um dia haverá o suficiente para todos mas, então, esses todos já serão ninguém.
(amm)