A gravidade atrai os corpos

Quinta-feira, 18 de Outubro de 2007
Adiamento

Na base da montanha espera-se um milagre.

Saio de manhã cedo para o meu mistério e vejo agitação nas ruas.

Rostos ansiosos, gestos bruscos, gritos nas vozes.

A sombra é ainda grande e a cidade ilumina-se à mão.

Escolho o trilho mais seco para ouvir no chão os meus pés.


As linhas paralelas encontram-se no infinito.

E uma mentira pode sempre encobrir-se com outra.

A falta de esperança não me entristece.

Nenhum mundo é deste reino.


O movimento muscular aquece o coração e o sonho.

Cada passo presume outro e bastam-se todos com essa certeza.

O cansaço, hoje, ainda está longe.

Vem apenas quando o objectivo já está à vista e já é inútil.

Como os gritos da partida, como os olhares ansiosos, como a esperança.


O tempo acompanha-me calado.

Sinto-o ao meu lado, monótono e irrepetível.

Faz de cada passo uma festa mas a timidez esconde-lhe a exuberância.

Entre mim e ele nem uma palavra.

Porque também o silêncio vem connosco.


É assim que se repetem as minhas manhãs húmidas ou secas.

A própria paisagem deixa-nos passar como se tivéssemos vontade.

Mas a vontade não veio por não saber comportar-se.


Vamos sós, portanto.

Eu, o tempo, o silêncio e a minha carga.


À tarde voltaremos com o cansaço atravessado na garganta.

A sensação perfeita de uma missão não cumprida.

O corpo arrastado na sua segura insegurança.

A roupa colada ao ardor da pele.


Nas ruas, os rostos ansiosos, bruscos, em gritos.

Assustados mas contentes pelo milagre de estarem vivos.


Sísifo


tags:

publicado por prólogo às 20:29
link do post | comentar | favorito

Sexta-feira, 11 de Maio de 2007
Cansaço

Todos os dias cumpro o meu plano.

O ritmo e a rotina confundem-se.

À distância, no leito do descanso, ocorre-me mesmo uma certa melodia.

Como se numa dada dimensão, às coisas sobrasse significado.


Na distância que se desenvolve repetida sob os meus pés, nos caminhos que vão sendo sempre o mesmo de outros dias, vejo, pela previsão própria de não esperar, o ciclo finito da importância.


No alto de cada dia há o cansaço adequado a eliminar promessas.

Tudo o que aprendi esqueço pelas mesmas razões.

E logo a seguir há o recomeçar do silêncio.


O recado de cada hora é a expressão do seu limite.

Sei, por querer saber, a curta vida das ilusões.

Aprendi, por ignorar, que se ousasse seguir, seguiria sempre.

Vi, por me ocultar, lugares mais além do horizonte.

Perdi, por desejar, uma boa ocasião de ser sentido.

Ouvi, pelo silêncio, o cântico orvalhado da servidão.

Fugi, emparedado, do medo que todos os dias me alimentou.


Todos os dias cumpro o meu plano.

Mesmo que o meu plano são seja meu.

Mesmo que não tenha feito nenhum plano de algum dia cumprir planos.


Há uma cadência própria nos passos que marcham a favor do seu destino.

Latente, na invisibilidade há uma presença rigorosa.

A harmonia é tão aparente como o desgosto de ficar de fora.

E lá fora, no erguer subtil da tempestade, queremos ainda que sejam sinais.


Cumpro o meu ciclo de verdades.

Arrisco apenas o ligeiro ardor dos olhos.

E à noite, enquanto se fazem fogueiras para acender desejos, ocupo o meu corpo a iluminar os limites que não quer.


Sísifo


tags:

publicado por prólogo às 19:34
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Março 2008
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
13
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
25
26
27
28
29

30
31


posts recentes

Adiamento

Cansaço

arquivos

Março 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

tags

todas as tags

blogs SAPO
subscrever feeds