A gravidade atrai os corpos
Terça-feira, 27 de Dezembro de 2005
Porquê?
Quando, à noite, se inscrevem delgadas legendas na lâmina do horizonte e o luar oculto empurra os sentimentos para o lado hermético da solidão, são inúmeros os pensamentos que se chocam entre as meninges, na ânsia incontrolada de ter o seu minuto de fama.
De todos os quadrantes acorrem as sentinelas, inquietas com o troar do tempo, dispostas a dar a vida por um momento de sobressalto, sensíveis à luz e à humidade dos olhos.
Cada fósforo que se acende enquanto se varre com a atenção o carreiro deixado por milhares de pés, milhares de vezes, milhares de passos, dados em vão, dura apenas o quase nada que o vento apaga.
Que é que se vê de um ponto alto que não esteja evidente lá em baixo onde circula a amedrontada gente?
Foram perguntas destas que minaram a minha fé.
As perguntas minam sistematicamente todas as crenças, todas as emoções, todas as razões, boas e más.
Perguntar ofende.
Perguntar ofende quem tem de responder e ofende quem pergunta.
Sistematicamente.
Quando se sobe a um ponto alto, tão alto que possa lá estar Deus, fica-se como Deus, fica-se sem perguntas.
Mesmo assim voltamos lá e esperamos que desta vez seja a vez em que a altura é tal que não sobre outra questão, outra dúvida, outra incerteza, outro talvez.
É possível, sem magia, demonstrar, matematicamente, ainda que por palavras simples, sem ironia, com espanto, inocentemente, a inexistência, ainda que esporádica, ainda que vaga, de mais alguma coisa que aquilo, mesmo que etéreo, que se vê.
Eu sei que a maior parte das vezes procuramos o percurso mais linear.
É uma lei.
É a hipotenusa da vida.
Mas o quadrado das coisas não se sobrepõe ao enquadrar da realidade.
E a vida segue sempre dando voltas pelos catetos mais obtusos, à procura de leis que não obriguem a verdade a ser só uma e a que a razão não se dobre ou multiplique pela vontade do infinito.

Sísifo


publicado por prólogo às 19:18
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Terça-feira, 13 de Dezembro de 2005
Domínio
Houve um tempo em que quis dar um nome diferente ao destino.
Consumido pela inveja de não ter poder sobre o acaso, optei por tirar do vocabulário activo as referências à morte.
Sabia, ou pelo menos suspeitava, que do lado de lá da fronteira a essência das coisas não poderia ser muito surpreendente.
Anos de prática tinham-me dito que o que quer que fossem as boas intenções dos homens, o resumo haveria de ser sempre uma mão cheia de sofrimento e outra com um pozinhos de alegria.
Convenci-me, no entanto, e ainda bem, que um grão de pó insignificante pode pesar mais do que a eternidade e um desleixo assinalável com os deuses é sempre mais humano que o desviar dos olhos quando se nos mostra uma consciência.
É neste estreito caminho que desde então passo os meus passos.
Inquieto, obtuso e orgulhoso.
Assustado, revoltado e contente.
Sereno, cativo e assombrado.

Não me lixem!
Não há prémio nenhum ao chegar à meta.
Agora que tenho um vaga ideia da extensão do tempo quero que os que acham que sabem tudo se fodam.
Odeio acima de tudo os que abusam da ignorância.
Os que abusam do poder, os que abusam do lugar que ocupam.
Odeio os que olham para os que estão ao lado com a intenção de amedrontar.
Odeio os que pegam nas crianças e as fazem mecanismos telecomandados pelo medo ou pelos apetites.
São estes os meus ódios hoje, depois de ter desejado não odiar ninguém.

Sísifo


publicado por prólogo às 22:26
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