Regresso à minha montanha.
Percebo que não é bom sair daqui.
Este é o lugar que condiz com as moléculas do meu corpo.
Este é o lugar da minha genética; é o meu ADN fundador.
Por isso é melhor não sair nunca do habitat natural.
Não é legítimo que não tendo asas queira voar.
Porque se fica sempre com uma ficção do voo.
Porque se toma a parte pelo todo.
Porque se pensa sentir o que se não está preparado para sentir.
Porque o que se sente acaba por ser o dever de sentir.
Independente das divindades há um lugar que a história desenhou para cada objecto.
Não há destino - daí a liberdade - mas há história, passado e memória.
Aqui na montanha dos ciclos infinitos está a minha factual alegria.
E por aqui deverei permanecer para não me perturbar, não perturbar os outros, nem perturbar os ciclos insatisfeitos.
Talvez seja esta a minha missão.
Como a missão que a mais querida das mãos me trouxe.
Um filme repetido, apenas com variações subliminares.
Tudo no seu lugar certo mesmo não sabendo o que é o lugar certo.
Claro que é fácil ver nisto a capitulação.
Nada posso fazer para mudar olhos que não os meus.
Porque eu sei, mal ou bem, que é pouco o que ganha quem ganha.
É muito pouco o que perde quem perde.
É quase invisível o movimento daqueles que se movem.
É quase nada o tudo dos que tudo têm.
É infinitésima a força dos que são fortes.
É um instante o tempo da vida e o que a separa da morte.
Mas é grande o fascínio e o prazer que me são dados pelos infinitamente pequenos pormenores da natureza.
Sísifo
Ernesto Timor
Em tudo há um lado de dentro e um lado de fora.
O lado de dentro é o lugar onde eu estou.
O meu lado é o lado de dentro.
Entre o lado onde eu estou e o outro lado, o lado de fora,
há, ou poderia haver, uma porta e uma janela.
Quando estou à porta ou à janela,
a olhar o lado de fora,
ou simplesmente a pensar o lado de dentro,
tento que o meu lado, o meu lugar,
seja um lado onde estou bem e onde me sinto eu.
Mas não posso evitar pensar
que estando eu do lado de dentro
poderia não ter nenhuma porta,
ou nenhuma janela,
que me permitisse olhar para o outro lado,
mesmo quando estivesse a pensar o lado de dentro.
E, sendo assim,
arrisco pensar que fora do meu lugar,
afastado de mim pela espessura mínima da opacidade,
possam estar outros lados de fora que me são desconhecidos.
Quereria isso dizer,
que fora do meu lado de dentro
poderiam existir lugares de fora,
de dimensão assinalável,
que eu não poderia observar da minha elementar janela inexistente.
Mas o meu entendimento é assim
e compraz-se a criar ausências onde elas não se manifestam.
Foi assim que um dia fiquei absurdamente perplexo
por não saber se estava ou não preso no meu lugar de dentro.
Como poderia eu ousar,
um voo no lado de fora,
sem me ferir,
sem perturbar o horizonte,
sem abandonar o conhecido conforto
que tinha paulatinamente resguardado?
Não ousei.
Fiquei para sempre aqui deste lado,
preocupado em que não se percebesse,
do lado de fora,
que o prisioneiro era eu.
Sísifo