A gravidade atrai os corpos
Segunda-feira, 18 de Julho de 2005
Teste
Vamos supor, por instantes, que eu tenho alguma razão.
Uma espécie de teste à razoabilidade do entendimento.
Vamos supor, sem grandes preparativos, que havia no pensamento alguma superior determinação.
Vamos supor ainda, que por trás de tudo o que nos vai movendo no dia a dia, havia uma qualquer intenção mais determinada que todas as outras.
É um exercício curto.
Temos de estar levemente inclinados para o lado oposto do coração.
O sol não deve incidir directamente sobre a pele.
A luz não deve ser demasiada nem bater sobre faces que a dispersem.
É vantajoso que não haja no ar nenhuma perturbação que faça parecer que o dia pode mudar de repente.
Sei, suponho que sei, que cada tentativa deve ser levada tão a sério quanto possível, mesmo que isso queira dizer quase nada.
Os gestos devem ser lentos e decididos.
Cada passo em direcção à verdade deve ser dado com subtileza, como se se tivesse a intenção de surpreender alguém.
Como um felino que tenta mais uma vez capturar uma assustada e atenta presa.
Não deverá sentir-se frio nem calor, os sentidos parecerão abandonados.
A respiração será suave mas intensa e o oscilar do abdómen há-de ser lento como uma carícia.
O rosto vai sentir-se a sobrevoar uma atmosfera de calma e o olhar estará fixo num ponto que é o centro de gravidade do cérebro.
As mãos não pensarão em nada e os lábios ligeiramente abertos como se fossem começar a dizer a palavra exacta e precisa.
Agora!
Nunca falha.
Esse nada que se sente, é tudo!
amm
Segunda-feira, 11 de Julho de 2005
Culpado
Fragmentos de vontade estão espalhados pelo chão da sala.
Vieram aos poucos da nascente turbulenta.
Nunca foram mais do que ligeiros estados de alma à procura de caminho entre certezas.
Ficaram por aí na esperança de serem arquivados.
Teria preferido que não se mostrassem, que não se impusessem.
Seria melhor para todos que não se tivesse aguçado a vontade de viver.
E isto é apenas uma suposição.
Invoco, com diagnóstico reservado, o estado do espírito em que foram reformuladas todas as iniciativas de ser.
Tinha, como tenho, delimitadas formas de intervir no sonho.
Podia dizer-se que cada acto tem as suas consequências.
Que nada passa do estado sólido ao estado líquido sem libertar energia.
Que nenhum ar é absolutamente isento de impurezas.
E eu também não sou isento de certezas.
Nem peço desculpa por isso.
Mas se digo que preciso dessas ligeiras certezas para me manter vivo, parece que estou a tentar desculpar-me de as ter.
Como se fosse uma culpa estar vivo.
Está bem.
Eu sei que é uma culpa estar vivo.
Eu sei que não tenho desculpa por estar vivo.
Eu sei que não adianta pedir desculpa por estar vivo.
Eu sei também que dia destes, quando vier uma madrugada mais benevolente que me faça sentir uma inesperada transformação no olhar e me sinta obrigado a reconhecer o rosto que se manifesta no brilho solar do espelho, perderei de vez estas únicas certezas.
amm
Segunda-feira, 4 de Julho de 2005
Diagrama
Nem sempre os dados da noite confirmam as incertezas.
Havendo coisas que se sabem, outras há que nem passam por perto da consciência.
Ontem, no vento solto que se apossou do horizonte, consegui sentir um bafo de ansiedade que vinha da natureza oculta dos aromas.
Pedi ao vento que passava, como é costume fazer nestes casos, notícias do meu país.
Respondeu-me um sonoro e crepitante riso de escárnio...
Tinha que ser assim.
Há coisas escritas que determinam cada um dos nossos passos na pequenez do mundo.
E só por isso, por causa dessas coisas que estão escritas e ninguém assume, por causa da invalidez que tomou conta de todas as verdades, por causa da dureza que parece ter tomado conta das emoções e da ternura, por causa da inviabilidade que se apoderou de todos os sonhos, por causa da surdez que atingiu todos os sentidos, por causa da acidez que corroeu toda a inteligência, por causa da avidez que sobrepôs toda a generosidade, por causa da potência que ocultou todos os pormenores, só por isso, não há mais nada senão o formato aleatório da revolta.
Hoje, acordado ao som sombrio do vento da manhã, ocorreu-me haver ainda uma saída.
Um milagre, pensei: também eu!
Pois.
Nada é senão milagre alguma coisa poder ser em vez de nada.
Mas devo ter fugido a tempo da palavra porque depois já nada tinha sentido.
Só resta um tempo.
Provavelmente o mesmo de sempre.
Só resta que sejamos mais do que é possível.
Só resta que naquilo que está escrito sejam possíveis novas leituras.
Só resta que o vento seja tão ignorante como nós.
Só resta continuar a tentar...
amm
Sexta-feira, 1 de Julho de 2005
Redundância
Faço todos os dias as mesmas coisas; repito até perder os mesmos gestos.
Máquina de ritmos, entro sempre no ciclo certo e esperado.
Cada dia é um dia que já vi e os seus sons são os companheiros do costume.
Nada de novo, portanto.
Seria assim o descrever do desencanto.
E porquê, se mais não faço que repetir o tédio mortal dos electrões?
Porquê gemer se este é o ritmo inerente a todos os corpos celestes?
A excepção do universo é a diferença.
De resto tudo é igual.
Tudo é uma forma fractal de outra coisa que o é também.
A repetição do costume, o costume de ser igual, a igualdade de repetir.
O sacrifício começa com uma criança a plantar uma árvore e a assumir a responsabilidade de a regar todos os dias.
Para quê?
Para que a árvore cresça.
Para quê?
Basta de perguntas.
Cada um terá as suas razões para querer que a árvore cresça.
Haverá mesmo quem apenas diga que gosta de ver as árvores crescer.
E isso é uma razão: essa vontade, esse desejo de não explicar.
O sol está a quedar-se no horizonte.
Outra vez.
Confesso que desejo que ele amanhã volte...
Onde é que eu já vi isto?
amm