A gravidade atrai os corpos
Terça-feira, 31 de Maio de 2005
Conforto
Parece haver na história o vício da repetição.
E essa é a melhor razão para optar pelo esquecimento.

Cada vez que vou ao topo da montanha encontro variantes novas no caminho da subida e vou-me contentando com essas diferenças para contornar o tédio.
Há quase sempre um atalho que ainda não conheço e por onde nunca fui e a arborescência das hipóteses faz parecer os dias mais curtos.
Mas não sei, não posso dizer se são caminhos novos ou se são os mesmos que já se excluíram da memória.

Nada disto tem muita importância.
Os dados da realidade não são conciliáveis com o sonho.
E o que resta de cada dia é cada vez menos, porque o espaço da recordação está cada vez mais cheio de cópias de cópias, de links para cópias de cópias e cópias de cópias de links.
A diversidade acaba por ser o hipertexto da repetição aconchegado no conforto do esquecimento.

Mas incomoda-me pensar que já antes passei por aqui e não sei.
Como se os lugares em que a diferença se aponta não tivessem estruturas nem erro e ao caminhante nada mais fosse consentido que olhar para a frente e seguir.

E, mesmo sabendo que estamos a cair no engodo, continuamos com a mesma persistência a fingir que lá em cima há qualquer coisa.

Felizmente, há sempre uma ilusão disponível para substituir outra.

amm


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Sábado, 28 de Maio de 2005
Demora
Estamos, portanto, à espera.

Foi sempre assim.
Cada palavra que era acrescentada à lista tinha o efeito de aumentar o ressentimento.
O olhar, por muito linear que fosse, provocava sempre um calafrio e determinava novos avanços na insatisfação.
O ruído dos passos era incómodo como a rudeza do tempo a destruir os segundos anteriores.
Nas noites mais frágeis a respiração parecia um pecado e o odor baço do corpo trazia ao sono uma realidade macabra.

Mas não estou aqui para gemer. Isso já passou.
Agora, estou à espera, de uma maneira quase serena.
Como quem aguarda que a chuva passe mas se vai agradando com a distorção que provoca na paisagem.

Não é possível ter uma relação boa com o tempo.
Tem que se olhar para ele como se olha para as outras contingências.
Nada de criar afectos; nada de tentar aproximações.
Tem que se encarar com toda a indiferença, como as pedras, como a espuma das ondas, como a deriva dos continentes.

Há pessoas que se parecem com o tempo.

amm


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Terça-feira, 24 de Maio de 2005
Vontade
Por um lapso de pensamento, habituei-me a ver o mundo como um caso perdido.
Pareceu-me, então, que todas as coisas valiam de acordo com o esforço que solicitavam.
Por princípio "fácil, fácil, só a merda".

Não foi uma definição definitiva mas tinha um padrão de procura que parecia conciliar os destinos e as vozes.

Afinal de que valia tanto esforço se antes e depois a vitória estava atribuída à indiferença?

O tempo - aparece sempre o tempo - tinha para si uma espécie de esforço continuado que parecia reservar-lhe o topo da pirâmide.

No início estava concentrado o esforço de explodir.
No universo havia um esforço saturado de infinitos.
Na vida havia um esforço incompreensível contra a morte.

O pensamento era um esforço sistemático para ser.
E os sentidos em esforço desesperado para compreender.

Na palavra colocava-se o esforço sobre-humano do entendimento.
Do texto saltava o esforço peculiar da permanência.
Da analogia vinha o dramático esforço de unificar.

Em Deus havia o esforço ilimitado da imaginação.
Pelo corpo passava o esforço divino do desejo.
E as mãos eram o esforço derradeiro de prender.

E tudo isto para acabar embasbacado a olhar para a verdade da televisão.

amm


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Domingo, 22 de Maio de 2005
Destino
Houve, não nego, várias ocasiões em que quis ir mais longe.
Parei bastante antes do momento que previra.
Olhei à volta, pensei duas vezes, e voltei para trás.

Terá sido numa noite especialmente escura que percebi não ter vocação para a derrota.
O mover inútil dos braços foi de tal modo doloroso que quis prometer nunca mais.
E prometi. Mas há uma diferença muito grande entre a promessa e a convicção.
Ou a diferença pode estar noutro lado.
Pode estar no tremor ligeiro que se sente ao observar um rosto desejado e inacessível.

Tudo isto são fenómenos correntes.
Estão em todo o lado, perturbam cada passo e cada respiração.
E seria bom que a noção de pertencer ao mundo me acalmasse as divagações.

Cada vez que, nas manhãs mais anónimas, olho o horizonte a perscrutar as intenções que o dia tem a meu respeito, e sinto uma vaga luminosidade a envolver os desenfreados sonhos nocturnos, calço as luvas de boxe e preparo o novo combate a que tenho de sobreviver.

Loucura. Loucura.
Este é o mundo de loucos que eu afincadamente ajudo a construir.
Tudo bem! Faço a minha parte!

Mas confesso que não era por aqui que eu queria vir.
Não era este o caminho que tinha preparado.
Não era esta a cidade que tinha intenção de habitar.

amm



publicado por prólogo às 18:16
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Sábado, 21 de Maio de 2005
Perigos
Este é um exercício perigoso.
É um salto no excesso da revelação.
Colocam-se os véus, tapam-se os sinais, criam-se pistas falsas.

Mas por trás de cada ocultação vai a água com os resíduos da lavagem.
Por trás de cada gesto interrompido vagueia o timbre inequívoco da voz.

Salva-nos apenas a questão da verdade.
Porque em todos os lados temos os lados todos e os lados todos são todos lados possíveis.

Ficamos assim à mercê da intuição.
Dizemos a nós próprios que o que cada um sente é só dele.
Repetimos até nos cansarmos que cada novo percurso é ainda o mesmo mas já é outro.
E fazemos isto infinitas vezes, até já não sentirmos nada.

Gosto desta verdade que não se deixa apanhar.
Suponho-me suficientemente orgulhoso para poder viver sem certezas.
Dou os meus voos, faço os meus mortais à retaguarda, equilibro-me no alto da minha vulnerabilidade.
Mas faço-o com razão.
Nunca deixo fugir a mão do destino modelado.

É por isso que este é um exercício perigoso.
Há momentos em que não sei onde estou e me parece que as palavras levam com elas mais acasos do que seria verosímil.

Só aqui estou por ter prometido deixar de jogar à defesa...

amm


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Sexta-feira, 20 de Maio de 2005
Vício
Eu sei que os meus gestos já se perderam em formas distorcidas e a voz já não alcança os tons elevados de quando tinha medo.
E sei também que o culpado, a haver um culpado, foi o tempo.

De uma maneira geral, podemos sempre culpar o tempo, mesmo que, como é o meu caso, o tempo possa ser considerado mais um acessório do que uma essência.

Houve um momento na infância em que, por motivos pouco claros, me viciei em ironia.
Não foi um vício instantâneo, como o não são os outros vícios.
Foi acarinhado como se me delimitasse a zona de segurança e me permitisse viver aí outra irrealidade.

Sei que não é viável afirmar a ironia.
É como o silêncio que se esgota ao ser anunciado.
Mas há em todas as palavras a sua função suicida.
Há em todas as palavras o momento em que já não são senão sons sem significado.

Viciado em ironia, digo eu na intenção de tomar consciência de uma grave enfermidade e assim me soltar desse chão que de tanto me libertar me prendeu.
Há ironia em falar de ironia. Diz-se ironia do destino.

Mas eu sei o meu destino.
Conheço-o da repetição dos sons que ocorrem no mirrado silêncio da noite.
Sei-o como lugar onde repouso o tédio e o prazer e onde a circular teia do desejo me encaminha.

Adormeço a pensar se um destino que se conhece ainda é um destino.

amm


publicado por prólogo às 21:55
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Quarta-feira, 18 de Maio de 2005
Chamas
Perguntam-me por ti e eu digo: não sei.
Mas, está tudo bem? E eu digo: está.

É que, sobre ti, não basta saber o que sabia ontem, porque hoje pode já não ser.

Porque há sempre um cume mais alto... e eu não estou lá.

Eu sou uma certa transparência que se esvai quando parecia que ia ser.
E nada sobra dessa extenuante realidade.

Quando estamos a pensar que sabemos já passou; já a onda se desfez na areia e nasceu outra.
Nenhuma verdade resiste. Nenhuma permanência.

Logo a seguir, és o que já não eras ou outra coisa qualquer que nunca foste.
És em cada vez o impulso reflexo de um súbito caminho que parece conduzir a outro lado.

E eu sou uma espécie de sobra, um resto do minuto anterior, que nunca chega a ser senão uma fugaz tentativa.

Antes eu pensava que havia um elemento qualquer de verdade que me escapava.
Agora percebi que somos duas chamas frias que desajeitadamente se amparam enquanto não chega a morte.

amm


publicado por prólogo às 22:57
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Terça-feira, 10 de Maio de 2005
Fax
Há momentos em que a inclinação do sol parece determinar formas opacas sobre a pele inocente dos dias.
Pensam os sábios que tudo terá começado pela proximidade que havia, no tempo dos deuses, entre as impressões oníricas, o som da música e a suavidade do amor. Mas são apenas pensamentos. Nada que nos possa obrigar a sair do lugar onde estamos.
Ficou provado, pelo curso natural da história, que a diferença que existe entre dois quaisquer objectos, seja ela qual for, é a única e exclusiva razão da sua existência.
Não há nada em lugar nenhum que mereça a atenção se for igual a outra coisa que esteja em lugar algum.
A grande sabedoria, a única grande sabedoria, a única sabedoria é a capacidade de distinguir, a capacidade de descobrir diferenças.
É isso que se faz nos jogos, é isso que se faz na vida, é sobre isso que se escreve, é por isso que se respira.
E é tanto maior a inteligência quanto mais pequenas forem as diferenças que detecta. É na subtileza que a sensibilidade e a razão se entrelaçam. É na perspicácia que se demarca o campo da vida e da morte. E o ser feliz vai ser aquele que se emociona com o quase nada, em vez de ficar eternamente à espera da explosão ou do horror.
Mas não faz mal que não estejam de acordo comigo. Mesmo que estejam de acordo.
Porque mais logo, pouco antes de adormecer, quando já estiver desanimado com as sombras que se projectam no tecto do quarto e não souber de onde vem o odor quase perfeito da flor, é muito provável que já não acredite em nada disto nem me lembre que alguma vez o sol se inclinou.

amm


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Segunda-feira, 9 de Maio de 2005
Evolução
Antes, há muito tempo, passava o tempo a tentar perceber.
Era assim que perdia o tempo.
Encadeava os argumentos segundo a lógica e perdia-me nos círculos viciosos.

Depois, há muito tempo, passei a perceber que nunca perceberia tudo.
Percebi que cada justificação era apenas mais uma e os problemas não acabavam.
Percebi que o tempo todo estava a meu favor e contra mim ao mesmo tempo.
Mas que o tempo nunca era o mesmo. E eu também não.
Davam-me Deus para resolver os meus ene problemas.
Mas assim eu ficava com ene mais Um. E grande.

Mais tarde, há muito tempo, percebi que não havia nada para perceber.
Era uma questão de encarar todas as coisas como poeira cósmica.
Juntar a isso algum sentimento e agitar bem antes de usar.
Não me sentir nem mais nem menos do que uma supernova ou um buraco negro equilibrava o meu espírito agressivo.

Passei depois por uma época de incertezas.
Pegava nos dedos e contava-os repetidas vezes até me convencer que tudo era binário.
Percorria todos os caminhos com os sentidos acesos à espreita de vulcões.
Ficava as noites todas acordado na esperança de identificar um sonho.
E tive a grata surpresa de acontecer sempre o mesmo nada.

Há pouco tempo, numa manhã de nevoeiro, olhei com atenção para uma aranha que tecia, com grande calma, uma teia sobre o écran do computador.
Pensei em esmagá-la com o rato contra o canto superior esquerdo.
Mas parei. Resolvi ser tolerante. Resolvi ser magnânimo.

Agora que descobri que tenho a razão toda, não sei o que fazer com ela.

amm


publicado por prólogo às 23:35
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Domingo, 8 de Maio de 2005
Mistério
Não percebo porque não me sai, hoje, o sorriso dos lábios.
O dia tem sido tão monótono como sempre.
Tão monótono como foi a noite.
Nada de novo. Nada de nada. E, ainda assim, o sorriso.

Não percebo.
Apesar de, agora, já não pensar muito nessas coisas que causam sorrisos.
Nem me lembro de pensar nisso.
Também não me lembro do que é que ando a pensar.

Não percebo.
Mas acontece que hoje tenho estado com um sorriso nos lábios.
E ao pensar que estou com um sorriso nos lábios fico com vontade de sorrir.
E não vejo causa alguma para um sorriso.
Nem causa, nem razão, nem motivo, nem vontade.

Um mistério.
É que há sempre um mistério quando não percebemos.
E há sempre um mistério quando não sabemos porquê.
Embora, haver um mistério já seja uma boa razão para um sorriso.

"O mistério do mistério que provoca um sorriso" seria um bom título.

Gosto de textos que têm o título no meio.
Como se fosse a meio, em andamento, que decidisse-mos para onde ir.
E não sabendo onde é o meio, do andamento ou do mistério, deixasse-mos o título para o fim.

Melhor ainda quando percebemos que a nossa decisão é apenas provisória.
Como todas as decisões. Como todos os sorrisos. Como quase tudo.

De manhã, quando acordei, lembrei-me de que quando nos soltamos de um porto, procuramos imediatamente outro.
Nunca queremos ficar à deriva no alto-mar.
Nunca queremos ficar à deriva.
Nunca queremos ficar no alto-mar.

Há sempre um sorriso oportunista que se instala nas brechas da nossa razão...

amm


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Sábado, 7 de Maio de 2005
Simulação
Se não se desse o caso de as palavras serem formas inúteis
De dizer sobre outras formas inúteis
E de ter para com a vida uma indeterminada desilusão,
Ficaria cada vez menos descontente com o revogar das surpresas
Que, de dia para dia, o elevado índice da sede
Vai empurrando para um território neutro.

São acasos que em cada caso vão fustigando a contingência
Recolhida que está a noite na firme sensação que tudo leva.

Mas dá-se o caso de as palavras serem mesmo formas inúteis
De voltar a repetir a evidência e de a transgredir
Para lá de todo o desejo e de toda a vontade de querer.

Quando se tem na mão a destreza do futuro
Não restam muitas opções à forma como se vai contar
O que não se viu mas se quer adicionar à verdade
E, se possível, levá-la a perecer para sempre
No esquecimento comprometido de quem nada entendeu.

É assim, ou de uma maneira parecida e igualmente inválida
Que o nascimento adiado de todas as utopias
Levou um deus qualquer a já não se sentir apto
À revelação e às consequências do castigo do incerto.

Pouco importam os deuses.
Estão todos liquidados pelo arrependimento.
Apenas vivem porque, num erro de processo,
Lhes foi dada a imortalidade no jogo digital da desistência.

amm


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Quinta-feira, 5 de Maio de 2005
Fronteira
Há muitas maneiras de conseguir chegar ao fim.
Não sou eu que o digo, são as circunstâncias e a experiência.
Sem querer ofender, direi que é uma evidência.

O problema não está no há.
Acreditamos todos que as coisas existem. Haver, há!
Claro que há, ainda que verdes.

Também não está em muitas.
Embora subjectivo o muito anda por aí a multiplicar tudo o que não chega.
Há muito muito por todo o lado.

As maneiras são modos arcaicos.
São como era antigamente e, já não sendo, ainda é, porque foi.
Haja, então, maneiras.

O de não ofende ninguém.
É uma palavrinha que se dá mesmo a quem não merece.
Não tem de quê!

Ao conseguir temos que encontrar etimologia.
O que se consegue sempre.
É uma questão de seguir com esforço.
Ou de perseverança.

E chegar é sempre bom desde que não seja tarde de mais.
Chegar para tudo e ainda sobrar.
Aconchegar, ver e vencer.

O ao é uma contracção.
Eficaz antecipação dum fim que é um princípio.
O princípio da contracção antes da descontracção.

E finalmente o fim.
Que não tem lógica nem interesse, como todos os fins.
Que é coisa nenhuma por um instante.

Importante é que o fim venha antes de alguma coisa.


amm


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Terça-feira, 3 de Maio de 2005
Pormenor
São muitas as ocasiões em que perco o tempo e a força.
Dirijo os sentidos para os lados menos frequentados pelas certezas e sonho.
Sonho ou sonho que sonho, o que é quase a mesma coisa.
Fico atento às subtilezas dos pormenores. Àquilo que mais me pode surpreender.

Derivadas mínimas da realidade; pequenos declives do entendimento.
Olho para tudo sem necessidade de ver.
Como se fosse ainda possível aproximar-me do que já não é dito.
Como se no topo de cada montanha pudesse haver mais do que a vista para baixo.

Virtudes dos sistemas autónomos: levam-se a sério e riem!
Eu apenas procuro os pormenores e os instantes.
Coisas que se distingam por pouco e que logo a seguir não existam.
Coisas que ninguém saiba por ninguém querer saber.
Pequenas invasões do quotidiano que já não são quando nos lembramos.

Por todo o lado a memória... por todo o lado...
E eu à procura do instante logo a seguir em que já não existe a gota de chuva.
Eu à procura de coisas que não são coisas porque não são, porque não.
Sempre com a razão às costas, sempre carregado de razão, sempre carregado.

Hoje dói-me a intensidade do vento.
Dói simplesmente, sem esforço, sem desejo e sem prazo.
Curvo-me à passagem do medo e quase adormeço.
Dobro-me sem respeito nem consideração, apenas pela força.
Parto-me em estranhos pedaços de plástico ressequido.

Ainda que tudo pareça claro como a água,
Faz-me falta a lupa da coragem.


amm


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Segunda-feira, 2 de Maio de 2005
Dormente
Tinha prometido não voltar sem saber tudo de mim.
Sabia, ainda que com reservas, que, do lado de lá da procura, haveria de encontrar o local do regresso.
Sabia, ainda que vagamente, que, nas histórias, o que acontece é relativamente simples.
Sabia, ainda que desolado, que, ao fechar os olhos, já estou a ver outra superfície.

O que eu sabia antes era pouco, portanto.
E foi com esse pouco que sabia que ousei prometer.

No estilhaçar dos dias há sempre correntes de nuvens que anunciam luz para o dia seguinte.
Como se, para olhar com intensidade para as coisas mortas, fosse necessário o telescópio da tristeza.

Há muitos anos, Galileu, nas suas insónias, procurava em tudo o significado de qualquer coisa.
Mas ele ainda não sabia.
Estava apenas a viver um sonho que tinha que ter um fim qualquer, mesmo que fosse disfarçado de princípio.
Mas Galileu ainda não sabia que estava a olhar para um lugar sem saída...

De onde vem afinal essa vontade de ver outra coisa que não o que está à frente da íris?
De que lugar emana essa vontade absurda de ter vontades absurdas?
De que destino se pode agora prever mais do que a sua simples substituição por outro?
De que estrada acabará por sair o infame assassino de todas as ilusões?

Tinha prometido não voltar sem saber.

Agora, neste preciso instante em que percebo melhor que não sei, procuro apenas uma folha tranquila que, caída da árvore, já tenha adormecido a sua liberdade.
Como no tal sonho em que me desencontrei de Deus e fiquei para sempre a sobrevoar frases perdidas.

amm


publicado por prólogo às 22:52
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